domingo, 10 de novembro de 2013

Gran Finale (de Alma Welt)


 
 
Gran Finale (de Alma Welt)

Que bela foi a vida, e já se esvai...
Repartida entre a dor e a saudade
Enquanto já a portentosa tarde cai,
Talvez a derradeira em majestade,

Na noite que me espera, anunciada,
Eu confesso, como nunca, me dá medo,
Que me erguia outrora na calada
Para não interromper o seu enredo

Tanto amava a vida em seu encanto
Malgrado os desajustes e tropeços
Pra no coro afinar-me com seu canto.

Soa agora um fatal doze romano
E distante, horas minhas, dos começos,
Em patético final me cai o pano...
 

domingo, 21 de julho de 2013

Ave Oculta da Tarde (de Alma Welt)

 Ave Oculta da Tarde - lito de Guilherme de Faria

Ave Oculta da Tarde (de Alma Welt) 

Ave oculta da tarde, vem comigo
Para acompanhar-me noite a dentro.
Estou só, estou triste e sem amigo
E a morte me espera bem no centro.


É difícil não ter mais quem me conheça
A ponto de tirar a minha ilusão
Ou de dizer palavra chave que esclareça
Para de novo meu pé tocar o chão...

Estou no fim do mundo, ai de mim,
Só com minha beleza e minha poesia,
E isto, na verdade, é um triste fim.

Bem queria ter à roda do meu leito
A velha corte da minha fantasia
E a vela em minhas mãos em cruz no peito
...

terça-feira, 2 de julho de 2013

Encontro com a Moira (III) (de Alma Welt)


A vida nos disfarça o seu horror
Com esse nosso dia-a-dia bonachão
Com o fito de esconder a sua feição
De traços magros, sinistros e sem cor.

 “Alma”, disse alguém,“assim não fales
Estás nos parecendo agourenta
Só com essa visão de nossos males
Que ninguém quer, ninguém agüenta!”

 Mas, eu, que vi a Moira na campina
E chamou-me com um dedo descarnado,
Tão curiosa de saber a minha sina

Que mirando suas órbitas vazias
Ouvi a sua voz de grave bardo:
“Tomarei só a ti, não tuas poesias...”

quinta-feira, 14 de março de 2013

O Encontro Anunciado (de Alma Welt)


Irei ao Cerro do Jarau e às Missões
Pela última vez pra despedir-me
Deste meu Pampa amado e suas lições,
E beijar seu solo antes de ir-me.

E depois ficarei na minha varanda
A olhar os poentes e os levantes
E a perscrutar os signos inquietantes
Que precederão a que comanda,

Aquela que afinal virá buscar-me
Conforme o seu recado tenebroso
Que deu-me na coxilha ao encontrar-me.

Então espero partir dignamente,
Não como num pacto famoso
Mas como quem se entrega docemente...

domingo, 17 de fevereiro de 2013

sábado, 15 de dezembro de 2012

O Encontro na Coxilha (de Alma Welt)

 
Meus belos dias por certo já passaram
Mas ainda posso fruí-los na memória,
E agradeço a todos que me amaram,
Ou que comigo tiveram alguma estória...

Se assim falo parece despedida
E há até quem me censure ternamente
Pois afinal sou jovem e desmedida
Neste meu apetite adolescente.

Mas a quem engano? Estou com medo,
A Moira apareceu-me na coxilha
E exibiu-me do seu vôo o arremedo

Para cima ou pra baixo, não estou certa,
Pois voltei no rastro em minha trilha
E não saio mais da minha coberta...
 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Memória imaginada (de Alma Welt)

780

Posso bem imaginar-me já sem vida,
Chorada pelos meus e alguns peões,
Rodo em sua dor já garantida,
E Matilde, minha bá, aos borbotões,

Ela, que talvez arme um escândalo
Com sua exuberância em prantear;
Lucia com o incenso seu de sândalo
E o Galdério, com o olho a marejar,

De novo prestes a no colo me pegar,
Murmurando ao me colocar na mesa:
“Hoje temos leitoinha pro jantar”,

Ao ver-me lá, assim, ainda mais branca,
Qual o manjar da Mutti, a sobremesa,
Dela o único que lembro, pra ser franca...

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Pergunta (de Alma Welt)

Saberei morrer, chegada a hora?
Eis a pergunta que nunca quer calar.
Somos para morte aqui e agora,
Nunca prontos e sempre a adiar.

Não estou muito certa de que a vida
Seja mesmo um projeto que deu certo
Uma vez que é menos bela que sofrida
E o final se passa sempre no deserto.

Ou então, triste, solitária e dolorida
É a nossa chegada àquele porto
Onde não há festa e sim um morto,

Que somos nós, esticados, macilentos,
Expostos como nunca nesta vida
Num falso carnaval de gestos lentos.


(sem data)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Meu plano (de Alma Welt)


Retrato de Jomara (penúltima musa do pintor)- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1976,30x40cm, coleção Flavio Pacheco, São Paulo, Brasil


Contemplando um retrato de Jomara
Que musa fora do meu pintor Guilherme
E no qual o artista a Morte captara
Em vida, e a que só faltava o verme

Que a esperava em breve sob a terra
Terrível, oculto e insidioso roedor,
Eu, atual modelo e diva do pintor
Resolvi poupar-me o que me aterra.

E por meu plano justo e infalível
Hão de encontrar-me nua e bela
No lago, espelho outro, tão terrível !

E pelas instruções que dei de mim
As chamas levarão como uma vela
Minha beleza preservada até o fim...

05/01/2007

terça-feira, 12 de maio de 2009

SONETOS DA MORTE DE ALMA WELT (compilação)


 

Gran Finale (de Alma Welt)


Que bela foi a vida, e já se esvai...
Repartida entre a dor e a saudade
Enquanto já a portentosa tarde cai,
Talvez a derradeira em majestade,

Na noite que me espera, anunciada,
Eu confesso, como nunca, me dá medo,
Que me erguia outrora na calada
Para não interromper o seu enredo

Tanto amava a vida em seu encanto
Malgrado os desajustes e tropeços
Pra no coro afinar-me com seu canto.

Soa agora um fatal doze romano
E distante, horas minhas, dos começos,
Em patético final me cai o pano...

 


Ave Oculta da Tarde (de Alma Welt) 


Ave oculta da tarde, vem comigo
Para acompanhar-me noite a dentro.
Estou só, estou triste e sem amigo
E a morte me espera bem no centro.

É difícil não ter mais quem me conheça
A ponto de tirar a minha ilusão
Ou de dizer palavra chave que esclareça
Para de novo meu pé tocar o chão...

Estou no fim do mundo, ai de mim,
Só com minha beleza e minha poesia,
E isto, na verdade, é um triste fim.

Bem queria ter à roda do meu leito
A velha corte da minha fantasia
E a vela em minhas mãos em cruz no peito...

 






 


Encontro com a Moira (III) (de Alma Welt)


A vida nos disfarça o seu horror
Com esse nosso dia-a-dia bonachão
Com o fito de esconder a sua feição
De traços magros, sinistros e sem cor.

 “Alma”, disse alguém,“assim não fales
Estás nos parecendo agourenta
Só com essa visão de nossos males
Que ninguém quer, ninguém agüenta!”

 Mas, eu, que vi a Moira na campina
E chamou-me com um dedo descarnado,
Tão curiosa de saber a minha sina

Que mirando suas órbitas vazias
Ouvi a sua voz de grave bardo:
“Tomarei só a ti, não tuas poesias...”


O Encontro Anunciado (de Alma Welt)


Irei ao Cerro do Jarau e às Missões
Pela última vez pra despedir-me

Deste meu Pampa amado e suas lições,
E beijar seu solo antes de ir-me.

E depois ficarei na minha varanda
A olhar os poentes e os levantes
E a perscrutar os signos inquietantes
Que precederão a que comanda,

Aquela que afinal virá buscar-me
Conforme o seu recado tenebroso
Que deu-me na coxilha ao encontrar-me.

Então espero partir dignamente,
Não como num pacto famoso
Mas como quem se entrega docemente...

 



O Encontro na Coxilha (de Alma Welt)

 

Meus belos dias por certo já passaram
Mas ainda posso fruí-los na memória,
E agradeço a todos que me amaram,
Ou que comigo tiveram alguma estória...

Se assim falo parece despedida
E há até quem me censure ternamente
Pois afinal sou jovem e desmedida
Neste meu apetite adolescente.

Mas a quem engano? Estou com medo,
A Moira apareceu-me na coxilha
E exibiu-me do seu vôo o arremedo

Para cima ou pra baixo, não estou certa,
Pois voltei no rastro em minha trilha
E não saio mais da minha coberta...

 


SEXTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2011

Memória imaginada (de Alma Welt)

780

Posso bem imaginar-me já sem vida,
Chorada pelos meus e alguns peões,
Rodo em sua dor já garantida,
E Matilde, minha bá, aos borbotões,

Ela, que talvez arme um escândalo
Com sua exuberância em prantear;
Lucia com o incenso seu de sândalo
E o Galdério, com o olho a marejar,

De novo prestes no colo a me pegar,
Murmurando ao me colocar na mesa:
“Hoje temos leitoinha pro jantar”,

Ao ver-me lá, assim, ainda mais branca,
Qual o manjar da Mutti, a sobremesa,
Dela o único que lembro, pra ser franca...


TERÇA-FEIRA, 8 DE DEZEMBRO DE 2009

A Pergunta (de Alma Welt)

Saberei morrer, chegada a hora?
Eis a pergunta que nunca quer calar.
Somos para morte aqui e agora,
Nunca prontos e sempre a adiar.

Não estou muito certa de que a vida
Seja mesmo um projeto que deu certo
Uma vez que é menos bela que sofrida
E o final se passa sempre no deserto.

Ou então, triste, solitária e dolorida
É a nossa chegada àquele porto
Onde não há festa e sim um morto,

Que somos nós, esticados, macilentos,
Expostos como nunca nesta vida
Num falso carnaval de gestos lentos.


(sem data)


QUINTA-FEIRA, 12 DE NOVEMBRO DE 2009

Meu plano (de Alma Welt)


Retrato de Jomara (penúltima musa do pintor)- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 1976,30x40cm, coleção Flavio Pacheco, São Paulo, Brasil


Contemplando um retrato de Jomara
Que musa fora do meu pintor Guilherme
E no qual o artista a Morte captara
Em vida, e a que só faltava o verme

Que a esperava em breve sob a terra
Terrível, oculto e insidioso roedor,
Eu, atual modelo e diva do pintor
Resolvi poupar-me o que me aterra.

E por meu plano justo e infalível
Hão de encontrar-me nua e bela
No lago, espelho outro, tão terrível !

E pelas instruções que dei de mim
As chamas levarão como uma vela
Minha beleza preservada até o fim...

05/01/2007


TERÇA-FEIRA, 12 DE MAIO DE 2009

SONETOS DA MORTE DE ALMA WELT (compilação)

1
Ao destino (de Alma Welt)


Não contenho mais as minhas fontes,
Vou desatar o peito, a minha dor...
Ouve, meu destino, e não contes
A ninguém que choro sem pudor!

Ah! Tão bela a vida e é tão cedo!
Não quero ir, deixai-me, ó minha sina,
Restar, ficar aqui no engano ledo
Deste pobre coração que desatina

Agarrado à terra, ao meu vinhedo,
Ao velho casarão que ainda resiste
E ao sótão que contém nosso segredo...

Dizem que pro amor o indulto existe,
E o meu... foi tanto, pela vida...
Ah! Deixai-me para trás, como esquecida!

17/01/2007

Nota
Acabo de encontrar em sua Arca este soneto inédito da Alma. Pungente, de cortar o coração... escrito três dias antes da morte da Poetisa, atesta o seu apego, o seu imenso amor à vida, tornando ainda mais trágica a sua prematura saída de cena...
(Lucia Welt)

2
A Carruagem (de Alma Welt)
(Este é o último soneto da Alma, escrito na véspera de sua morte.)

(258)

Um piano toca no salão!
Ah! e não fui eu que coloquei
Um CD ou um velho long play,
Talvez seja o Vati, e então...

Ele voltou! Sim, ele me quer!
Vou ao seu encontro e sou mulher!
Sim, ele vai ver agora sou
Pelo menos a guria que sonhou.

Olha, Vati, há muito não me vias,
Mas de verso em verso muito errei
Pelo mundo, a viajante que querias...

E agora, com toda esta bagagem,
Leva-me contigo que eu irei
Quietinha, assim, na carruagem!

19/01/2007

Nota da editora:

Este soneto, o último da vida e da obra da Alma, publicado por ela no Recanto das Letras, tocou muitas pessoas que vinham acompanhando a série pampiana, publicados um ou mais por dia, em tempo real. Os leitores talvez sentiram que se tratava de uma despedida, mas não conscientizaram, pois as leituras registradas desse soneto só dispararam quando coloquei na página de minha irmã (por encontrá-la com a senha salva no seu computador) o anúncio de sua morte, com detalhes, o que indignou a muitos, e peço desculpas. A partir do momento da publicação do anúncio fúnebre, as leituras deste soneto foram rapidamente para mais de 300 registradas nos cinco dias seguintes,enquanto o total das leituras dos textos da Alma subiram mais 2.000 atingindo a marca de 14.000 e tantas, o que mostra a curiosidade válida, ou mórbida, não julgo, que as últimas palavras de um(a) grande poeta causam nos seus pares ou mesmo no público em geral. (Lucia Welt)


3
Canto da lua pálida (de Alma Welt)
257

Vai a vaga lua após as chuvas*
No meu pampa como barca solitária,
Nave fantasma, revolta e passionária
Em farrapos sobre mar das minhas uvas*.

Então saio pro jardim, vou ao vinhedo
Ao encontro da nave que me anima
A deixar-me lunar em seu segredo
Para saber o fim que me destina

Pois com meus alvos braços estendidos
Para o alto clamo a indagação
De quais os meus sinais e seus sentidos

E antes que a clareza se me esvaia,
Meus joelhos dobram e vou ao chão
Enquanto a lua pálida desmaia.*

17/01/2007

__________________________________

Nota da editora

Este belíssimo soneto recém encontrado na arca da Alma, tanto se encaixaria nas "Canções da Lua", como nestes Pampianos. Impressiona-me também como ele revela o pressentimento da Alma de seu trágico destino próximo.

*Vai a vaga lua após as chuvas- Percebe-se aqui os ecos do título do filme magnífico de Kenzo Misoguchi, de 1953, "Contos da lua vaga após a chuva", que a Alma viu em DVD.

* Nave fantasma, revolta e passionária/Em farrapos...- Imagem maravilhosa que sugere uma nave farroupilha (em farrapos ) como a de Garibaldi, navegando sobre o mar das uvas do nosso vinhedo


*...a lua pálida desmaia- Alma quer dizer que a lua desfalece para não responder ao ser questionada pela Alma sobre o seu destino iminente.

(Lucia Welt)

4

Lindas Manhãs (de Alma Welt)

256

Lindas manhãs da minha juventude!
Sofro por amá-las e perdê-las
Quanto maior a plenitude,
Por saber que não posso detê-las.

No despenhadeiro meu das horas
Quisera não ser tão consciente
Do fatal desfecho inclemente
Que tu, ó mente, corroboras!

Todo o meu ser se inclina ao poço
Na vertigem que é a minha estrada,
Que projetei depressa num esboço

De amor e de beleza pura ânsia
Que parece o meu pingo em disparada
Pelas sendas sagradas desta estância...

18/01/2007


___________________________


Nota da editora

Acabo de encontrar ainda este soneto, certamente da série Pampiana que eu pensava encerrada em 256. E percebo, estarrecida, que este seria, inclusive pela data, o penúltimo escrito por minha irmã que já antevia o seu poço fatal (da cascata) e para ele se dirigia conscientemente como o Cristo no Horto, se me é pemitido tal comparação. Agora que estou convencida de que minha irmã não se suicidou, mais claros e maiores me parecem seu Getsêmani e sua tragédia. (Lucia Welt)


5
Sob a figueira (de Alma Welt)
377

Sob a figueira em sonho estava ela,
A branca peregrina de uma noite,
Sentada de viés em sua sela
Os olhos a pedir que não me afoite.

E eu me aproximei arrepanhando
Minha longa saia de cetim
Com meus pés inseguros caminhando
Numa espécie sedosa de capim

Dourado, como a bruma que luzia
E envolvia tudo em doce flama
Que por si apaziguava e seduzia.

E eu ouvi a voz que se me canta,
E o coração, ao recordar, ainda inflama:
"Virás comigo em breve, Alma, Infanta."


6
Manhãs (de Alma Welt)
381

Belas manhãs, esplêndidas manhãs
Quando após um breve chimarrão,
A geléia e o queijo sobre o pão,
Eu corria para o prado e seus afãs.

E abrindo meus braços para o céu
Azul de doer de tão perfeito,
Eu experimentava vir do peito
Das andorinhas o mágico escarcéu.

E no calor girava até cair
De tontura, emoção e euforia
Por estar viva e tanto isso sentir.

Mas eis que a sombra começava a vir,
Não do umbu a fronde que alivia,
Mas do afoito coração que entardecia.

(sem data)

Nota
Acabo de encontrar este belo soneto inédito na Arca da Alma, que no entanto denuncia já o trantorno bipolar, doença que a acometeria nos últimos anos e que pode ter sido a causa da morte da grande poetisa. (Lucia Welt)


7

Voltem meus amores (de Alma Welt)
352

Voltem, oh! voltem meus amores,
Que aqui os espero em meu tugúrio!
Agora o meu amor e seus humores
Devem menos a Eros que a Mercúrio,

O esperto deus ligeiro das mensagens
Dos amantes, dos deuses e ladrões,
E tanto aos vãos amores temporões
Como àqueles precoces e selvagens.

Saibam que os espero em concílio,
Todos à roda do perdido coração,
Que acabo de voltar do meu exílio...

Estou de volta à terra do meu ser:
Aqui posso amar sem exclusão,
Abraçá-los todos juntos e... morrer.

05/07/2004

Nota
Este belo soneto já revela o pressentimento da Alma de que o ciclo de sua vida se fechava e que não viveria muito mais. Ela queria reunir poeticamente todos os seus amores e paixões, reconciliando-se com todos, inclusive com os que duraram tão pouco. Alma conseguiu expressar algo difícil como este concílio simbólico dos amores de toda uma vida num abraço final, carinhoso, redentor... ( Lucia Welt)


8
O cavaleiro (de Alma Welt)
249

Quando guria eu andava pelo prado
A colher flores do campo, já contei,
Mas algo aqui eu nunca revelei,
Que é como encontrei-me com meu Fado.

No meio da extensa pradaria
Vinha vindo o cavaleiro embuçado,
Até que ao deter a montaria
Pude sentir-lhe o hálito gelado:

"Alma, continua a colher flores,
Já que tens o dom da arte e da poesia,
Mas não terás sossêgo nos amores."

"Com convivas, trinta e cinco, e uma vela,
Espera-me à mesa, eu volto um dia
Pra levar-te, prenda minha, nesta sela".


02/01/2007

Fiquei estarrecida quando encontrei este soneto. E tive que chorar novamente. Ele evidencia como Alma sabia de sua morte próxima, no dia 20/01/2007, e das circuntâncias de seu velório sobre a mesa de nossa sala, com a vela acesa e os convivas, os trinta e cinco anos fecundos de sua vida. Aproveito para republicar aqui o soneto "Visão", do dia 03/01/2007, que complementa esta premonição sobre o o inaudito e espantoso velório nu da Alma. (Lucia Welt)



9

Visão (de Alma Welt)
(77)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007



10
Vozes no casarão (de Alma Welt)
246

Esta noite ouvi tristes lamentos
Pelos corredores desta casa.
Estava eu imersa em sentimentos
E pensei: "É minha alma que extravasa."

"Sou eu, sempre eu mesma, vem de mim!
Meu ser carrega a dor do mundo
Junto com o seu amor sem fim
Vindo do meu cerne mais ao fundo."

Mas o som parecia vir do ar,
E outro que não a minha voz
Não me deixava me enganar:

Era o cantochão da Açoriana
Confrontando o lied* dos avós,
E a confundir esta Alma pampiana...

09/11/2006


___________________________________

Nota da editora

* lied- canção em alemão( plural: lieder) gênero de canções alemãs de câmara (eruditas) para serem cantadas individualmente por solistas de vozes líricas (soprano ou contralto, tenor, barítono ou baixo). São famosos, por exemplo, os lieder de Shubert, como A Truta, A Fiandeira, O rei dos álamos, etc. Alma quis dizer que as vozes de nossos avós alemães, Joachin e Frida, soavam como lied em oposição ao lamento católico, cantochão (canto gregoriano) de nossa mãe açoriana. (Lucia Welt)
POSTADO POR

11
Meus amigos, caros (de Alma Welt)
236

Meus amigos, caros, que saudade
Eu tenho dos tempos de convívio,
Que o tempo agora é de oblívio
E a solidão é a minha herdade!

Reduzida à estância e a família
O mais são os peões e os animais,
Os poemas talvez sonhos irreais
E uma tristeza vaga, que humilha

De viver uma tarefa insolúvel
De um pântano drenar os tais miasmas
Ou de como conquistar um ser volúvel

E não ter sido afinal bem sucedida
Pois me vejo cercada de fantasmas
E nem mesmo sei mais o que é a vida...


17/01/2007


12
O laço (de Alma Welt)
(233)

Ultimamente ao chegar perto do poço,
O laguinho da cascata que assim chamo,
Eu sinto um aperto no pescoço
Que não posso explicar, do qual reclamo.

Aqui eu mergulhei desde criança
E o fiz sem roupas claramente
Pois nunca perdi a esperança
De viver como vejo em minha mente

Num mundo de pureza e liberdade
Onde o senso de pecado não existe
Uma vez que não existe nem maldade.

Por quê então a dor (eu me refiro
ao laço na garganta) que insiste
Em me embargar tirando-me o respiro?

15/01/2007


Nota da editora

Encontrei este impressionante soneto inédito na arca de minha irmã e que me emocionou sobremaneira pois me fez ver o quanto a Alma pressentia, misteriosamente, o seu fim, inclusive somatisando os sintomas de seu estrangulamento pela corda em seu pescoço, com que foi encontrada flutuando a um palmo da superfície do poço, ancorada a uma grande pedra. Ainda assim, como já contei, restam dúvidas quanto à natureza de sua morte. (Lucia Welt)


13
Penélope (de Alma Welt)

Penélope e os pretendentes- Pintura de 1912 de John William Watherhouse (prérafaelita inglês)

(221)

Para enfrentar a morte escrevo,
Que é o único combate com o ogro
Que posso travar com algum enlevo
E que não redundará em vil malogro.

Pois sabemos que a letra permanece
Como uma fantástica lanterna
Que ilumina a trama que se tece
No silencioso tear da noite eterna

Produzindo uma teia inacabada
Como aquela da viúva inconformada
Que sabia dar ao tempo a sua medida,

E no final, no pouco que restara
Do painel da batalha desmedida
A sua própria saga ela plasmara.

29/12/2006


14
O nó e o muro (de Alma Welt)
(219)

Este casarão que chora e geme
Nas noites desta estância tão sofrida
É agora o companheiro da minha vida
Como um barco à deriva já sem leme.

E não parece dirigir-se ao futuro
Mas arrastado em voragem de retorno
Ao porto de partida junto ao muro
Que separa o jardim do prado em torno,

Ali onde o nó foi enterrado
Com que enforcou-se o Valentim
Que era o vero estancieiro despojado,

Que perdeu pro meu avô a sua estância
Em que esta branca Alma vem porfim
Viver a sua busca e sua ânsia...


15/01/2007

Nota da editora

Este soneto, encontrado recentemente, confirma a recorrência na poesia da Alma do tema do nó de forca e do suicídio. Eu me pergunto se essa obsessão foi a responsável por sua morte trágica, ou se tais poemas representam a angústia de uma premonição, pois foi com uma corda em seu pescoço que ela foi encontrada no lago da nossa cascata, afogada em circunstâncias ainda não bem esclarecidas. De qualquer forma tais poemas me causam uma sensação profundamente lúgubre e dolorosa. (Lucia Welt)


15

Quando a macieira floreceu
217)

Quando a macieira floreceu
Eu me prosternei perante a ARA
Invocando o poder que prometeu
E a Poesia que a ela consagrara.

E ao começar cair chuva fininha
Unindo assim a terra ao céu
Soube que o portal agora tinha,
Como segredo encoberto por um véu.

Ó chuva delicada dos meus deuses
Que me banhou de maneira deliciosa
Fazendo-me aceitar os meus adeuses!

Pois senti que eu podia terminar
Pondo o ponto final na minha prosa,
Que a Poesia começava a ressoar...

18/01/2007

Nota da editora:

* ARA- os iniciados na poesia da Alma sabem que ela assim chamava a sua macieira sagrada do pomar desde a infância. Trata-se das iniciais de Alma e Rôdo gravadas por ela a canivete num coração no tronco da árvore, produzindo a palavra "ar" (alento,vida, inspiração) acrescentada posteriormente do A de Aline, um forte amor de sua vida que ela trouxe para cá vinda de São Paulo e produzindo a palavra "ara" (altar).

Comoveu-me ao extremo este soneto, em que se percebe claramente uma despedida da Alma, e um fecho à sua obra. O presentimento de sua morte eminente já se manifestara em muitos sonetos de sua série Pampiana, mas este tem o tom de um encerramento, que me fez chorar lembrando a figura sagrada da grande poetisa minha irmã cuja vida se passara de maneira tão rara, em beleza, delicadeza e poesia. (Lúcia Welt)


16
Percepção (de Alma Welt)
(209)

Tem dias em que vejo claramente
O quanto necessito de alegria.
Estou só, sou bela mas carente,
E o mundo já disso desconfia.

Não há soluções para o viver
E a tragédia me espera, universal.
Quero viver, gritar pra não morrer,
O que posso escolher como um final?

De tanto acreditar que estava quite
Com o amor, sonhando o dia-a-dia,
Perdi a fé e noção do meu limite.

E por tecer grinalda em minha mente
Ao registrar o olhar pela poesia,
Tornei-me Ofélia de um cantar demente...

17/01/2007

Nota da editora:

Um soneto como esse, que acabo de encontrar no "caderno secreto" da Alma, se o tivesse descoberto a mais tempo me teria induzido a acreditar no suicídio da minha irmã cuja morte ocorreu dois dias depois de tê-lo escrito. Mas como foi recentemente solucionado de maneira nada consoladora o enígma de sua morte, tendo sido comprovado o seu assassinato, posso somente atribuir a um momento de desencanto existencial ou à angústia premonitiva de minha irmã, pois ela pressentia sua morte eminente e trágica, como seus últimos sonetos o sugerem. (Lúcia Welt)

17
Pecado original (de Alma Welt)
(177)

Pelos meandros da minha consciência
Às vezes topo com escolhos sem idade
Que interrompem o fluir e a coerência
De uma vida que se quer em liberdade.

Mas o que é este mal que não se quer?
Será o tal pecado original
No qual nunca acreditei sequer?
Que tenho eu a haver com esse tal?

Talvez não mais que um gosto de sofrer,
Sentir prazer na dor que encontro em mim,
E um medo angustiado de morrer,

Uma carência de amor inatingível,
Uma vontade de ser mais, indefinível,
E um orgulho de ser poeta assim...

14/01/2007



18
Antípodas (de Alma Welt)
(164)

Juventude, o quanto hei de querer-te
Por uma vida inteira de memórias,
Mas eu pensar em ti já como estórias
É sinal de que logo vou perder-te!

Transformei cada minuto em puro verso
E em crônica o corriqueiro lance,
Um outro em episódio controverso,
E a breve temporada num romance.

Eis o que tem sido o bem e o mal:
Viver a vida sem sair deste local
E conhecer os polos mais extremos

Vivendo entre a estróina e a asceta,
Ser tanto sibarita quão profeta,
A gulosa e o cadáver que seremos...

17/11/2006

Nota da editora:

Considero este um dos mais notáveis sonetos da fase final da Alma, encontrados no caderno recém-descobeto por mim na arca de inéditos da Alma, no sotão contiguo à "mansarda" de Rôdo, aqui no casarão. Este soneto é um exemplo da veia metafísica da Alma, que não obstante a sensualidade e erotismo que a fizeram vítima de malentendidos, perpassa toda a sua obra viceral e profunda.


19
A Abantesma (de Alma Welt)
(163)

Ó casarão da minha infância
E que me verá adormecida
No último sono, já sem vida,
Para ser a abantesma desta estância,

Por aqui onde vivi a fantasia
De ser mulher-poema e musa errante
Do meu bosque, do jardim, da pradaria
E de todo o meu pampa circundante

E quando estiver morta, que me vejam
A galopar sob o céu da Branca Via
Nua como em vida já se ouvia

Ou mesmo que não muito créus estejam,
Afirmem pra seus piás e filhas:
"Alma vagou esta noite nas coxilhas!"

18/01/2007

Nota da editora:

Fiquei pasma com este belíssimo soneto, e o achei profético, pois é realmente o que tem acontecido por aqui: Alma tem sido vista pelos peões e suas mulheres e filhas, tanto quanto por mim, acreditem vocês ou não. Seu espectro muito branco, translúcido, vaga pelo jardim, pelo pomar e pelas colinas, perdendo-se no bosque. Eu já o segui três vezes, e numa delas encontrei na praia da cascata, brilhando á luz da lua, o anel de prata de lenço de vaqueiro que serviu para a identificação de seu assassino. Mas isto é uma penosa história que fico devendo e contarei mais tarde aqui mesmo neste blog. (Lucia Welt)

20
Doce filosofia (de Alma Welt)
(161)

Amores, devaneio, sonho vário
São esses os meus ingredientes
Pra uma vida plena entre as gentes,
Embora me afirmem o contrário.

Há quem queira que pro dever vivamos
(Minha Mutti era a rainha da corrente
Que meu pai denominava docemente
De "estóica", dos ferozes espartanos).

Mas quem a dura Natureza premiou
Como os dons da beleza e da poesia
Porque houvera de punir o que louvou?

Sentir com volúpia ah! meus desejos,
E do amado os mais sutis ensejos,
Abandonar meu corpo à fantasia...

11/11/2006

21
A Prece da Alma (de Alma Welt)
(158)

Pelas coxilhas batidas pelo vento
Eu gostava de estar correndo ao léu
Com os cabelos soltos sob o céu
Pra qu'Ele visse meu contentamento.

E eu pensava, juro, e não mentia:
"Nada mais peço, Senhor, eu te prometo,
Só me concede voar no meu soneto
Como vôo aqui na pradaria!"

"Toma meu rosto, Senhor, que esmeraste,
E esta alvura que o peão reverencia,
E que com meus cabelos faz contraste

Cujo rubro e fluido rastro semeaste
De olhares e de vã idolatria...
Senhor, só não me tires a Poesia!"

12/01/2007

Nota da editora:

Este é, a meu ver, um dos mais belos sonetos que já li de minha irmã. Até eu estou surpresa com a quantidade de obras-primas contidas neste caderno de inéditos da Alma, que recém-descobri. O espírito religioso da doce Alma, que costumava dizer que era uma pagã povoada de deuses, se revela de maneira comovente nesta verdadeira prece de poeta. (Lucia Welt)

22
Adeus Pampa (de Alma Welt)

(149)

Adeus Pampa, que a galope estou indo
Pra outros pagos, nua e sem a sela,
Escanchada sem pudores no meu pingo
Que como Eva sou sua costela

Antes da maçã e da serpente,
Infanta da Natura e sem pecado,
Alma pura, erótica e inocente,
A quem só amar foi destinado.

Esperem-me na Noite, ó desejosos!
Poetas, sonhadores de passagem,
Que sob suas cobertas liquefazem

Seus corpos, de graça e fina estampa,
Destilando seus fluidos licorosos
Pela Musa derradeira deste Pampa!

19/01/2007


Nota da editora:

Encontrei, emocionada, este belíssimo soneto, identificado com segurança como o penúltimo da série dos "150 Sonetos Pampianos", na montanha de papéis da Alma, que venho compilando e organizando. Percebe-se nele uma despedida, como se Alma soubesse que estava partindo para outro plano astral (outros pagos) como se estivesse simplesmente galopando rumo "austral", "muito ao sul de si mesma" (expressão dela numa crônica). Alma tinha consciência da sua natureza de Musa deste Pampa, pois foi, sem dúvida sua maior intérprete feminina, neste começo de século. (Lucia Welt)

23
O reino da Alma (de Alma Welt)
(144)

Entre Rosário e Livramento
O reino desta Alma pampiana
Se estende muito além da Taprobana*
Onde o Preste João perdeu o jumento*,

Em meio às Bem-Aventuradas Ilhas*
Que no mar da pradaria são coxilhas
A terra de Cocaygne* ainda espera
Os aventureiros de outra Era*;

E o velho Cronos parado continua*
Na planície do Letes, vaga-mente*
Em que Ananke ainda conduz sua charrua*

Em torno ao casarão meio adernado
Que afunda comigo lentamente
Como insensata nau em meio ao prado...*

15/01/2007

Notas da editora:

Tive a grata surpresa de encontrar este soneto desconhecido, inédito, de minha irmã, pois não tinha sido publicado no Recanto onde ela fora postando dia a dia no seu último mês, a sua gloriosa série dos "150 Sonetos Pampianos". Encontrei esta folha em meio aos seus papéis como se ela o considerasse demasiado obscuro ou "iniciático" para ser dado a público. Resolvi então publicá-lo, pelo notável que é, com a ajuda de suas anotações e bibliografia, decifrando-o nestas notas.

*Muito além da Taprobana"- Citação do quarto verso da primeira estrofe ds Lusíadas de Camões que se refere a um limite náutico, depois desaparecido, onde começava a terra das Índias Orientais.

* Onde o Preste João perdeu o jumento" - Expressão criada por Alma, equivalente a "onde o Judas perdeu as botas", isto é, um pago ermo "no fim do mundo". O Preste João era um poderoso e riquíssimo rei cristão, mítico, que os navegadores da Renascença acreditavam reinar nas Índias Orientais ou na China, terras praticamente desconhecidas dos europeus (a não ser pelo veneziano Marco Polo cujas narrativas corroboravam esses mitos) e almejadas pelos aventureiros ávidos de riquezas.

* às Bem-Aventuradas Ilhas" - As Ilhas Bem-Aventuradas, era terras onde o tempo não existia e a juventude e a felicidade eram eternas, reservadas para os heróis da antiga Grécia, da Idade de Ouro.

*...terra de Cocaygne" - Outro mito ou utopia da Renascença, terra encontrada por acaso e novamente perdida por navegadores, espécie de paraíso terrestre onde a vida era fácil e os alimentos eram colhidos nas árvores, inclusive os frangos e os leitões assados (risos). (Vide o quadro homônimo de Pieter Bruegel).

* O velho Cronos parado continua" - Com esse verso Alma quis dizer que o tempo continua parado nesta porção do pampa, onde se encontra a nossa estância, o que até certo ponto é verdade, embora Alma e eu tenhamos descoberto o computador e os sites literários que nos permitem publicar instantaneamente o nosso pensamento e ouvir a opinião dos leitores.

* ..."a planície do Letes, vaga-mente" - Descrita por Platão, no chamado "Mito de Er, o Armênio", no final da República, esse mito órfico, se refere a planície onde corre o rio Letes, o "rio do esquecimento" (dele deriva a paravra letal, e letargia, sono letárgico) e onde as almas que o atravessavam em cortejo guiadas por hierofantes, eram obrigadas a beber apagando ("vaga-mente") assim a memória de sua vida (encarnação) passada.
Nessa planície se encontrava a coluna de luz ligando o céu e a terra, onde girava o fuso do destino humano, nos joelhos de Ananke, a Necessidade. Esse mito de profundo esoterismo, confirma a hipótese de que Platão era um órfico tardio, isto é, um iniciado do Orfismo, quer dizer, da doutrina órfico-pitagórica, ligada aos Mistérios de Elêusis, e cuja origem era anterior ao século VII AC.

No prefácio de Victor Hugo ao seu romance "Os Trabalhadotes do Mar, ele começa dizendo: "Tríplice ananque pesa sobre nós) ... "são três necessidades suas"... (o homem) precisa comer daí a charrua(arado) e o navio) (símbolos do "ananque das coisas", a luta pela sobrevivência material). "Nasce deles (desses ananques) a misteriosa dificuldade da vida." (Victor Hugo)

"... insensata nau em meio ao prado"- Alma compara o casarão à "nau dos insensatos", um grande barco ou navio de madeira, onde na Idade Média eram colocados os loucos para segregá-los do convívio dos "sãos" das aldeias e dos campos, e que ficava descendo o rio à deriva, até afundar pelo caos reinante a bordo, já que o capitão era escolhido entre os loucos, tal como na nossa sociedade. (Lucia Welt)

24
Uma outra infância (de Alma Welt)
(133)

Em recentes noites desta estância,
Eu reconheço comecei a sentir medo,
Coisa que não tive em minha infância
A menos que isso seja engano ledo:

Me lembro de sair sem outros lumes,
Do meu leito para ir até o jardim
Para sentir o perfume do jasmim,
Nua a vagar com os vagalumes.

Agora, envergonhada eu confesso
Que, assustada acordo e me apresso
Em camisola ir ao quarto da babá,

Minha Matilde velha que me abraça
Sob as cobertas furadas pela traça,
E que me esperavam desde lá...

17/01/2007


Nota da editora:

Alma pressentia talvez a proximidade da morte. Ela que era tão corajosa, fragilizou-se nos seus últimos dias. Me lembro como ela andava emocionada o tempo todo, derramava lágrimas e abraçava a todos a todo momento, o que nos comovia sem entendermos. Daí a dois dias escreveria o seu último soneto, "A carruagem".


25

A verdade irredutível do ser (de Alma Welt)

(131)

Às vezes penso que fui longe demais
Em contar tudo, tudo o que me vem
Na mente, na vida, e muito mais,
Porque sempre se pode ir além...

Pois tudo o que dizemos nos pertence,
Sai de dentro do ser e é verdade,
Não há como dizer "isto me vence",
É tudo parte da nossa liberdade

De optar, apreender, reter, assimilar,
Que de nossa escolha nasce e raia
O ser que, construído, vamos dar

Ao mundo, ao outro, a quem se importe,
Àqueles a quem formos dar à praia
Como náufragos que somos para a Morte...

13/01/2007



26
A saga do corpo e coração ( de Alma Welt)
(130)

A razão de ser é mesmo amar.
O resto é só pra manter vivo
O corpo em sua agonia milenar
E nele a alma e o coração cativo.

Esta carne luta pra fundir-se
Tanto quanto a alma em sua ânsia
De com outra alma confundir-se
Malgrado a permanência ou constância

E nesta aflita busca da metade
Procurando o membro amputado
Que era parte de nós, dissociado,

Que vaga por aí nesse deserto
Mas que porventura anda tão perto
Perdido em sua própria tempestade...

17/01/2007



27
Quisera navegar (de Alma Welt)

(128)

Quisera navegar em outros mares
Que não os da campina ou da mente
Singrar águas reais e realmente
Enfrentar raios e açoites pelos ares.

Ser a capitã do meu navio
E ir às terras que na alma visitei,
E que na verdade só ousei
À luz de uma lâmpada ou pavio

Nos serões de minhas noites tão seguras,
Assim pensava eu entre meus livros
E os braços das queridas criaturas

Que me foram deixando lentamente,
Como náufraga aportada entre os vivos
E estrangeira numa fábula demente...

17/01/2007


28
A noite escura da Alma (de Alma Welt)
(126)
"La noche escura del alma” (San Juan de la Cruz)

(de Alma Welt)

Noite, noite escura desta Alma
Solidão, angústia e mil tormentos,
A corredeira da memória e pensamentos,
Sem remanso ou praia, não se acalma.

Insônia, inferno dos remorsos
A remoer a consciência despertada,
Ranger de dentes, inúteis, vãos esforços
Para conter a dor desta jornada.

Onde o estuário dos amores, sua foz,
Seus momentos aprazíveis de langor?
Onde as palmeiras do enganoso amor?

Agarrada nessa tal casca de noz
Que me coube no universo porventura,
Náufraga sou na triste noite escura...

17/01/2007



29
Quando as violetas floresceram (de Alma Welt)

(124)

Quando as violetas floresceram
Eu trancei com elas a guirlanda
Com que ornei o piano que esqueceram,
Já que ali a mão dele não mais anda.

O Steinway agora é o seu túmulo
Negro como laje de granito,
E o coração ao vê-lo dá um pulo
Se olhado de repente, como um mito.

A alma ao recordá-lo mais se cala,
Que tudo nesta sala é encantado
E um espinheiro não tarda a cercá-la

Pois sentimos avançar a sonolência
Que, lenta, vai tomando a sua essência,
E um sono de cem anos é chegado...

16/01/2007

Nota da editora:

O piano de cauda Steinway, de nosso pai (o Vati)
grande pianista, após sua morte permaneceu intocado
na sua biblioteca, que por alguma razão parece mesmo
adormecida, e não ousávamos falar ali, Alma, Rôdo e eu
comunicando-nos por gestos, quando íamos procurar algum
livro ou documento



30
A plenitude da Alma (de Alma Welt)

(123)

Guria vi meus anseios florescerem
Neste jardim em torno ao casarão,
Não era ainda o tempo de escolherem
Entre os sonhos da alma e os da razão.

Só queria crescer e acrescentar,
Ver o âmago das coisas e dos seres,
Uma certeza maior que os "pareceres",
Rever o mundo sem sair deste lugar.

E quando vi formar-se um tal esboço,
Do caos condensar-se o meu reinado,
E a mente deixar seu calabouço,

Ah! que novo prazer foi permitido,
Ver a vida voltar ao seu estado
De inocência... mas plena de sentido!

16/01/2007

Nota da editora:

Alma se refere aqui a um momento de sua vida em que havia conseguido conciliar o sonho com a realidade, e vivia numa sintonia fina com o sentido oculto dos seres e das coisas. "El sueño de la razón", que segundo Goya produz monstros, ainda tinha o significado de lucidez poética, cheia de harmonia com o mundo circundante. Ao que parece, esse sonho racional, como utopia logo haveria de mostrar a sua face terrível. Talvez seja isso que Alma não suportou. Ela que havia resistido a no mínimo três estupros em sua vida, capitulou ante a dor que ela tão heroicamente desafiava, decidida a viver num mundo de pureza, em que o sexo não conhecia culpa e era parte inerente da beleza do mundo.(Lucia Welt)

31

Ao oráculo (de Alma Welt)

(121)

Esta noite farei uma consulta:
Preciso saber o meu destino...
Não me refiro só a morte estulta,
Que não sei será acerto ou desatino.

Mas o que será de mim, poeta,
Após passo prematuro ou temporão*,
Meus versos recolhidos comporão
O grande livro que é a minha meta?*

Toda a minha vida nestas letras,
E mais: uma saga do meu Pampa,
Aquela dos avós, netos e tetras,

Tudo e todos que eu trago junto a mim
Nesta Pandora virtual sem tampa*,
Que há de ver-me cavalgando até o fim...

16//2007

Notas da editora:

*"passo prematuro ou temporão"- versos como este nos fazem pensar que Alma pensava em suicídio, e se questionava sobre o "acerto" ou loucura de tal gesto.

* "o grande livro que é a minha meta"- Alma, como todo poeta consciente de seu valor, sonhava ter suas "Obras Completas" publicadas em livro.

* "Pandora virtual sem tampa"- Alma se refere à Internet, onde estava publicando grande parte de sua obra, enquanto esperava (e espera) a resposta das editoras, já que tem apenas um livro de contos publicado por uma pequena editora de São Pau(editora Palavras & Gestos, cujo dono encantou-se com os seus contos e os publicou sem que Alma gastasse um centavo, como ela queria. Infelizmente a editora não distribuiu nacionalmente o livro, e ele permanece restrito a umas poucas livrarias da capital paulista. Entretanto está anunciado e vendido pela Internet, aumentando o seu alcance.


32
Paráfrase do Soneto de Ronsard (de Alma Welt):


Quando eu for velha, aqui na estância,
Sentada ao pé do fogo com certeza,
Direi pensando em minha circunstância:
"Eu mesma celebrei minha beleza!"

"Quando jovem eu era a Alma deste Pampa
E agora aqui me vejo enregelada,
Minha alva pele celebrada
Se pondo preparada para a campa,"

"Murcho e engelhado pergaminho
Com mil sonetos gravados ilegíveis
Mas cheios do sentido do caminho"

"Que a Alma percorreu apaixonada
Pelos versos quiçá imperecíveis
Que fui derramando pela estrada..."

Alma Welt


33
Quero viver, amar... (de Alma Welt)

(119)

Quero viver, amar, quero explodir,
Quero ser amada até o sangue!
Não agüento mais o meu porvir,
Essa perspectiva assim exangue...

Que posso eu, pobre guria solitária,
Esperar se minha beleza me condena,
Se a paixão dest'alma é proprietária
E começo de mim mesma a sentir pena?

Vago insone pela noite, sonho o dia,
E chego com as unhas a riscar
Meus seios que teimam em me abrasar,

E logo ponho as mãos ali em baixo
Para aplacar de mim essa agonia
De ser eu mesma a cruz em que me encaixo.



34
O juramento da Alma (de Alma Welt)

(118)

Pelo amor de minha pradaria
Eu fiz um juramento no pomar:
Aqui viverei até estar fria
Já que posso livremente poetar

E ser a Alma do meu Pampa ideal
Onde nua eu cavalgo no papel,
Um pouco para além do bem e o mal
Com todas as memórias em tropel.

E assim revendo-me em poemas
Atesto a trajetória coerente
Desta minha missão e seus emblemas:

As transfigurações do imanente
Quanto as do aparente até banal
Que formam este meu ser universal.

10/01/2007

Nota da editora:

Este soneto comprova que Alma tinha um consciência
muito forte de sua missão como intérprete de sua região,
com sua expressão inconfundível que fazia de cada elemento
de seu cenário cotidiano um elemento arquetípico. Daí a sua universalidade, que está sendo atestada por um número enorme e crescente de leitores, fãs e admiradores da Musa do Pampa.




35
O pedido da Alma (de Alma Welt)

(103)

Quando eu morrer me enterrem no meu prado
(quanto gaúcho já fez este pedido!)
Mas não quero pranto, prece nem gemido,
Quero mais é um fandango entusiasmado

Com chinocas, prendas e peões
Gaudérios, "gauchos" fanfarrões
Taconeando com as esporas pela lança
Numa pelea enérgica de dança!

E quero isso ao lado da minha cova,
Ou se possível mesmo em cima dela,
Que de amor só quero palmas como prova.

Uma lágrima porém permitirei,
Aquela do herdeiro do meu rei:
Meu irmão, de noite, o choro e a vela...

11/01/2007

36

O que me disse a cigana (de Alma Welt)

(99)

Um dia voltando do meu bosque
Onde fora colher belas amoras
Eu vi uma espécie de quiosque
E ciganos a dançar as suas horas.

Pensei:"vou ofertar-lhes o que aqui tenho,
E juntar-me a eles por minutos..."
Ah! por quê é que não contenho
Esta sede de espalhar todos os frutos?

Pois logo uma delas veio a mim
E afoita agarrando a minha mão
Me levou para atrás de um carroção

E com estranho olhar me disse assim:
"A *Moira vê, te cobiça, e eu cuidaria,
Porquanto jorras tanta e tal poesia!"

08/01/2007


Notas da editora:

* Moira - A Morte, uma das várias naturezas
de Ananque (a Necessidade) entre
os antigos órficos gregos. É um princípio teogônico
(arqué) ao mesmo tempo que uma deusa. Outras naturezas da
Necessidade eram, por exemplo, Dyké(a Justiça),
Niké( a Vitória), Fado (o Destino), Belona (a Guerra),
a Discórdia, etc.

Este soneto me parece mais um momento de
de premonição da Alma, quanto à proximidade
de sua morte, onze dias depois.



37

A Louca do Pampa (de Alma Welt)

(92)

Vai, Galdério, encilhar a minha égua!
Não vês que estou necessitada?
Se não me trouxeres a montada,
Correrei a pé por uma légua.

E não sei não se voltarei pra casa,
Pois a meta é linha do horizonte,
Que o povo diz que é atrás do monte
E só sei que daqui parece rasa.

Bah! Aperta a cilha, o que queres?
Derrubar-me pra *trazer-me no teu colo,
Como quando desfolhava mal-me-queres?

Bueno, solta a rédea, *gaucho tolo
Vou galopar até virar uma *abantesma,
Não mais podes proteger-me de mim mesma!

05/01/2007

Notas da editora:

* "...trazer-me no teu colo"- Galdério, o charreteiro,
caseiro e faz-tudo da nossa estância,irmão da Matilde,
(nossa ex-babá e atual cosinheira) tinha uma grande
devoção por Alma e quando ela era criança costumava
tirá-la da charrete e carregá-la adormecida nos seus
braços, quando vinham de um passeio longo, ou quando
ia buscá-la longe nas suas andanças de guria aventureira.

* gaucho- pronuncia se "gáltcho", à maneira castelhana.
Alma adorava o Galdério e o chamava assim.

* abantesma- Alma gostava desta palavra




38
De nuvens e de sombras (de Alma Welt)

(81)

Hoje o dia amanheceu enevoado
E sinto me será triste e pesado.
Mas logo vejo e ouço a passarada
Cantar do mesmo jeito, entusiasmada,

E dou-me conta, então, do vulnerável
Que sou enquanto fêmea, ser poético,
Pois a nuvem escura, pouco amável,
Faz de mim um ser quase patético.

A obscuridade de um momento
Lança uma sombra de defesa
Sobre o coração e o pensamento

Desta poetisa um tanto instável
Que ainda não rendeu à Natureza
De uma ave a confiança inabalável.

04/01/2007


39
O contrato (de Alma Welt)

(79)

O contrato que redijo a cada dia
Pela visão do mundo e da poesia,
Será meu testamento da velhice
Que chegará um dia, sem pieguice.

E quero estar montada num legado
De mil sonetos, contos e poemas
Que velarão o meu sono atribulado
Do negócio de sonhos e de temas.

Tudo é vaidade, dirão, e eu concordo.
Mas quê resta ao homem ou ao poeta
Senão criar um mito ou uma meta?

Filhos, fortuna, casa, ofício, arte,
São o nosso lado de um acordo
Com a Morte, que trará a sua parte.

03/01/2007


40

Visão (de Alma Welt)

(77)

Ser a musa eternizada do meu pampa!
Cantar, celebrar e endoidecer
De tanto amar até saltar a tampa
Do coração e da mente, e então morrer!

Nua, estranhamente, sobre a mesa
Estendida me vejo, uma manhã:
Um desfile silencioso me corteja
De peões, peonas e algum fã.

Mas olho o meu corpo de alabastro,
Absurdo e belo ali, e não à toa
Eu noto algo nele que destoa:

Sobre a alvura do pescoço bailarino
Uma faixa vermelha como um rastro
Da corda que selou o meu destino...

03/01/2007


41

NIHIL, ou Velho Tema (de Alma Welt)

(75)

Quando penso que o meu melhor poema
Será aquele que nunca escreverei,
E que, entre mil, o melhor tema
Não terá sido nenhum que celebrei;

Quando percebo que tudo é aventura
E a vida não é mais que puro jogo
De dados lançados à ventura
E cercado pelo blefe e pelo logro,

Eu sei que construí em chão de areia
E recheei de hóspedes bisonhos
A mansão que eu queria sempre cheia.

E que no fim de uma vida de trabalho
Verei ruir como um castelo de baralho
Toda a arquitetura dos meus sonhos...

02/01/2007

42

Sonhei-me como nau... (de Alma Welt)

(73)

Sonhei-me como nau em tempestade
Perdida entre ondas muito altas,
Lutando pra chegar na minha herdade,
Contra o clamor das minhas faltas.

Afinal o céu se abriu e era bonança,
Aquele mar quedou-se em calmaria,
E eu era nave e sua esperança
De avistar de novo a pradaria.

Eis que acordo então na minha cama
E corro à escotilha para olhar
A nau que sou, singrando no pomar.

Mas logo essa visão desvaneceu:
Sem deixar a sua trilha pela grama
No labirinto a nave se perdeu...

02/01/2007


43

Às águas do meu poço (de Alma Welt)
(71)

Ele me espera, eu sei que morrerei
Sob a face do meu lago, tão serena.
Aqui eu fui feliz como nem sei,
Aqui eu mergulhei desde pequena.

Sou a Yara nua do meu poço:
Aqui fui cobiçada em minha pureza
Fui ali tomada com rudeza,
E continuo pura, sem esforço.

Nada tive que cobrar da natureza,
Nada tenho a reclamar do meu destino...
Sou Alma, a poetisa, e sou a mesma

Guria branca de gênio sonhador
Cuja vida haverá de ser um hino
À beleza, à liberdade e ao amor!

01/01/2007

Nota da editora:

Apezar de diagnósticos médicos controversos,
que incluiram inclusive "transtorno bipolar",
poemas como este me fazem ter certeza que Alma amava
demasiado a vida para ter aquele gesto extremo,
auto-destrutivo...
Por outro lado o soneto faz pensar no pressentimento,
senão vidência, de seu fim próximo.


44

O Canto de Outra Era (de Alma Welt)

(61)

Esta manhã corri à pradaria
Como fazia outrora em minha infância
Para sentir o vento que fluía
Qual rio invisível desta estância.

Mas de repente senti o ar parado
Numa súbita e temerosa calmaria,
E percebi que no tempo coexistia
O fluxo do presente e do passado.

E como Odisseu fui arrastada
Por uma corrente indefinida
E pela consciência fui chamada

Ouvindo os espectros de outra Era
Protestando por me achar assim perdida
Longe da missão que me coubera...

27/12/2006

45

Quando sopra o vento no meu Pampa ( de Alma Welt)

15

Quando sopra o vento no meu pampa
Eu corro para fora do meu quarto
E sinto como revivendo o parto
Que me deu vida e jogará na campa.

Então eu rasgo o meu vestido ao vento
E me entrego nua e inteira à ventania
Sentindo entrar carícia nada fria
Que gera um orgasmo longo e lento.

Ó vento meu peão, ó haragano,
Cálido amante que ejacula a chuva
E não se avista com o velho Minuano

Que quando sopra gela-me na veia
Qual fosse de mim mesma a vã viúva
Colhendo-me na minha própria teia!

05/12/2006


46

A minha casa, perdida (de Alma Welt)

(34)

A minha casa, perdida neste prado,
Brota do solo como se fora encantada,
O limo já recobre seu telhado
E as heras a põem meio assombrada.

E se as nuvens recobrem o meu pampa
E começa o tropel da trovoada
Eu sinto como se abrisse a tampa
Da caixa da Pandora atormentada

Que sou, esta Alma dividida
Entre a paixão da Arte e da Vida
A vagar pelo jardim anoitecido

Enquanto o Minuano não me venha
Ao encontro, buscar-me, e como senha
Entoar sussurrante o seu gemido...

18/12/2006


47

A pena do pensar (de Alma Welt)

(52)

Muito tenho pensado em tudo isso:
Viver, pensar, amar e desejar
E depois morrer, dar um sumiço
Pra ser lembrada só por quem lembrar.*

Mistério é, quisera eu me divertir
E não só pensar, amar e desejar;
Amar, pensar, sofrer e mais pensar
No quanto estou cônscia de existir...

Pois a consciência vigilante
Nunca me deixou depois da infância
Viver a vida plena, confiante,

Já que aquela inocência deslumbrante
Que agora me visita sem constância,
Aparece só no gozo de um instante.

23/12/2006

Nota da editora:

*Versos como esse, abundantes na série Pampiana,
dão o que pensar sobre previsão, vidência ou propósito,
tão pouco tempo antes do falecimento trágico
(e ainda misterioso) da amada Poetisa.



48
Agradecida (de Alma Welt)
263

Pelos amores que quis ou que vivi
Nos dias e nas noites estreladas,
Em apelos à lua e às amadas
Estrelas cujas luzes recebi;

Pelo dom que assim me fora dado
Quando erguida nos braços de meu Vati*
Fui consagrada como ser predestinado
A ser um ser de luzes, mesmo um Vate;

Pelas doces coisas que me deram
Aqueles que tão logo rodearam
A guria que em contentar se esmeram,

Mimada, servida, tão louvada...
E a alguns que até me bajularam
Como se princesa fora... OBRIGADA!

16/01/2007

Notas
Descobri nesta madrugada este sugestivo e comovente soneto de minha irmã, que ao mesmo tempo que reflete seu reconhecimento pelos privilégios de sua vida, soa como uma despedida, sim, um agradecimento final de quem está prestes a sair de cena, o que ocorreria quatro dias depois, no fatídico 20/01/2007. E novamente chorei... (Lucia Welt)



49
Aqui estarei... (de Alma Welt)
269

Aqui estarei, meu Rôdo, quando tudo
Naufragar em nós com o navio
Que é este casarão já quedo e mudo
A crepitar como uma vela sem pavio,

E nós, como sombras sorrateiras
Esgueirarmo-nos por estes corredores
Ou por este salão e suas soleiras
Que olharão para os últimos albores

Já a nos ver espectrais em cavalgadas
Ou mesmo a pé a vagar nas pradarias
Nas novas noites, eternas e tão frias...

Ai! Não mais claras manhãs, e orvalhadas,
Onde rindo perdoavas meus deslizes
E eu aos teus, por sermos tão felizes!

14/01/2007

Nota
(Encontrei agora mais este soneto que me fez chorar. Alma previa sua morte iminente e expressava seu amor desmedido por isto tudo, sua vontade de permanecer para sempre por aqui, mesmo vagando, sem manhãs orvalhadas. Mas... ela se via a vagar eternamente com Rôdo, o irmão amado.(Lucia Welt)


50
Meu overmundo (de Alma Welt)
271

Tive um sonho esta noite, recorrente,
Pois me pareceu bem familiar:
Eu morria jovem, de repente,
E não podia decidir quando voltar.

Antes me era dado ver o mundo,
Mas sem escolher hora e lugar
E teria assim meu overmundo
Pois que Deus me queria premiar.

Mas, bah! eu chorava de saudade
Do meu pampa, estância e casarão,
Minha querência, Rôdo, nossa herdade!

E tanto solucei, e o pé batia,
Que Deus não suportando a confusão
De cabeça me atirou na pradaria!...
14/11/2006

Nota
Surpreendentemente, encontrei hoje de manhã este soneto inédito da Alma, em sua arca, que evidencia que ela conhecia o poema de Murilo Mendes, e que este a inspirou de maneira singular. Mas pode-se perceber também a semelhança da cena por ela descrita com um outro texto, um belíssimo monólogo de Cathy Earnshaw (ou Cathy Lindon), do romance O Morro dos Ventos Uivantes( Wuthering Heights) de Emily Brönte, que Alma amava sobretudo, por sua imensa identificação com a personagem da charneca inglesa vitoriana). (Lucia Welt)

51
Palavras à cigana (de Alma Welt)
279

Rafisa, lê depressa a minha palma
Mas não pares no meio da leitura.
Sempre o fazes como se uma ruptura
No fio do destino desta Alma.

Eu vejo como fechas minha mão
E o disfarças com um beijo ou sorriso.
Mas não conténs, cigana, o coração
E teu peito que ofega, em prejuízo

Do segredo do que é meu e tu me deves,
Pois se és vidente e quiromante
Honra a tua fama, a mal não leves,

Vai, revela tudo, não importa
Se a Morte for um hóspede galante
Que está prestes a bater na minha porta...

05/01/2007

_____________________

Nota
Descobri emocionada este soneto que mostra como Alma andava cheia de pressentimentos da morte próxima, mas não totalmente consciente, que é como o Destino brinca de se apresentar...
(Lucia Welt)



52
Dúbios domingos (de Alma Welt)
280

Tenho com os domingos dúbia liga
Pois embora ensolarados em essência
Me fazem ver do Tempo a vã carência
E a tal fugacidade, ó minha amiga.

A contagem domingueira se revela
Ultimamente regressiva e voraz
Embora eu seja jovem, viva e bela,
Já me vejo saudosa a olhar pra trás.

Eis que me sinto assim contemplativa,
Que nunca fui alguém que muito chore,
E me ponho a vagar como uma diva

A colher florzitas como a Core
No seio claro desta natureza viva
Antes que o escuro solo me devore.


28/11/2006


Nota
Acabo de encontrar este belo e impressionante soneto da Alma, que faz ver a persistência de seu pressentimento da morte próxima. Vale aqui relembrar o mito de Core (a Perséfone dos gregos) filha de Ceres, a deusa das colheitas(a Deméter, dos gregos) que estando a colher flores na pradaria, subitamente o solo se abriu e ela foi agarrada pelo deus Hades, do escuro subsolo do mundo (o reino de Hades)onde passaria, por intercessão de Zeus, a pedido de sua suplicante e sofrida mãe, a viver por seis meses, sendo que os outros seis poderia passar com sua mãe sobre os campos. Esses ciclos se relacionavam com o tempo do plantio e o da colheita. (Lucia Welt)


53
Da vida vivida (de Alma Welt)
280

Por amor, me desnudei a alma
No papel em versos escandidos,
Não me poupei em nada, dei a palma
A ler, como às ciganas os escolhidos.

Sim, por que nelas eu confio
Se vêem em nós o dedo do destino
Ou espada a pender daquele fio.
Mas ouvindo da Gitana o violino

Cantei, dancei, de mim me desnudei
E nos leitos dos amados supliquei
Que tocassem as fibras do meu ser.

E louca, penetrada e fruída
Fui verso e canção pra ouvir e ler
E nada deixei pra outra vida...


17/01/2006

Nota

Mais uma vez emocionadíssima, ao descobrir agora há pouco este soneto, me defrontei com um "testamento espiritual" da Alma, poderoso, de comovente grandeza.



54
Mi estrella de Absinto (de Alma Welt)
(versión al castellano de Lucia Welt)


Mi estrella, me reveles a mi misma!
Yo te invoco como otrora el druida,
O antes aquél rey de gran carisma
Aunque tuve su alta torre destruida!

Vien a mi encuentro y me desvía
Del fatal camino que presiento.
Estamos todos, yo lo sé, en esa vía,
De Absinto la estrella como aliento.

Quiero más sueños, delírios, nuevos temas,
Aunque no he cumplido mis proyectos
Y hagan falta todavía cien poemas,

Cabalgadas, éxtasis, amores,
A vagar por entre mis versos selectos
A coger emociones como flores!

Nota
* Estrella de Absinto -Obra de Oswald de Andrade, 1927, famoso romancista y poeta brasileño). La expresión se refere a una estrella apocalíptica, a algunos místicos y esotéricos caracterizada como el planeta Venus (en el Brasil, estrella Dalva). Absinto: bebida muy consumida en la "Belle Époque" parisiense, y que, con el opio, ha costado la vida a muchos poetas y pintores. En el Apocalipse de San Juan, Absinto es el nombre de una estrella de la destrución que cae sobre las fuentes de aguas y los rios, en el fin de los tiempos (un meteorito?). Sin embargo, no queda claro en el soneto en qual sentido está empleada la expressión.


55
Odisseu (de Alma Welt)
288

"Somos para a Morte", disse alguém,
E desde então eu me pus a meditar,
Coisa inusitada para quem
Todas as dádivas vieram se somar.

A beleza é vã, efêmera, fugaz,
Diz Matilde, o que a Mutti já dizia,
E eu desconfio que apesar de pertinaz,
Tal pensamento deriva da apatia.

Ah! Odisseu, meu grego predileto,
Que disseste (e por isso foste honrado)
O quê é o homem? Cabal, doido completo

Que se acaba com um simples resfriado
E que no entanto, aqui como em Elêusis,
É capaz de afrontar os próprios deuses!


09/07/2006



56
O espelho do ser (de Alma Welt)
298

Hoje olhei no espelho e vi meu ser,
Quero dizer, a face minha oculta,
Aquela que costuma se esconder
E que não pertence à vida culta:

O ser primevo, o mito primitivo,
Eco primal do grito, não vagido,
Que o homem lançou e foi ouvido
Pela Natura num recuo intuitivo.

Eis o animal de Deus marcado
C’o sinal de distinção no fundo olhar,
Na fronte ereta onde repousa o fado!

E ao mirar assim meus belos olhos
A profunda superfície dos abrolhos,
Tive medo de mim como de um mar...


(sem data)


57
O último comboio (de Alma Welt)
304

Não estarei aqui quando voltares,
Ó vento-rei do meu sonho passado,
Sinto que as partidas e os “chegares”
Já não escamoteiam o meu fado.

Sei que vou partir, o trem vem vindo
A silvar e a ranger na noite enorme,
Na plataforma já vou me consumindo
A esperar que a alma se conforme.

Espera, dá-me tempo, ó minuano!
E tu, meu trenzinho de fumaça,
Me deixe ficar só mais um ano

Enquanto assisto aqui nesta varanda
O comboio do meu próprio ser que passa
Como o fumo, o vapor e a lavanda...

16/01/2007

Nota

Emocionou-me muito encontrar este soneto manuscrito, com a tinta borrada provavelmente pelas lágrimas de minha irmã. Alma pressentia claramente a sua morte iminente, que ocorreria quatro dias depois (20/01/2007). Derramando por minha vez, no teclado, minhas lágrimas, mal pude digitá-lo e vertê-lo para o castelhano. (Lucia Welt)



58
Testamento gáltcho* (de Alma Welt)
319

Por estes belos pagos do meu Sul
Que me foram dados de cenário
E raízes sob o imenso toldo azul
Que é o teto do meu templo imaginário;

Aqui onde os “gáltchos” machos são
Reis de um reino todo em seu cavalo,
Nos limites da honra e da razão
Que os leva a transpor o imenso valo

Que existe entre domínio e dominado,
Entre o ser de escolha e o malfadado
Tantas vezes alcunhado de “gaudério”;

Aqui cresci, me alcei, fui poetisa
Votada ao meu próprio mistério,
De meu próprio destino a pitonisa!

15/01/2007


Nota
Acabo de descobrir na arca dos escritos da Alma, este "testamento", que percebi ser inédito (ela já escrevera outros testamentos). Este me pareceu especialmente significativo, pois revela o grau de consciência que ela tinha de seu singular destino e grandeza. Sim, o mistério foi nota dominante em sua trajetória, pois tal dimensão de beleza numa vida vivida em permanente dimensão poética não é corriqueiro na história da literatura ou das artes. ( Lucia Welt)
*gáltcho - fonético de gaucho, como os "castelhanos" (uruguaios e argentinos, nossos vizinhos de "la Pampa" pronunciam o nosso "gaúcho". Alma normalmente se referia assim aos nossos peões.


59

Cassandra* (de Alma Welt)
322

Meu sonho de guria era real:
Eis-me aqui, poeta em plenitude.
Mas ao vivê-lo, eu vejo quão fatal
É ter um sonho chegado à completude!

Posso enxergar em mim, o dom das Parcas,
Meu Presente, Passado, e meu Futuro,
E neste, pouco além, meu próprio Muro,
Que dos três na palma tenho as marcas.

Mas, bah! por justamente tudo ver,
Muito embora por todos sendo amada,
É que é maior a dor de se viver...

Pois meu dom é ironia do Destino:
No cerne do meu ser (que desatino!)
Cassandra de mim mesma... ignorada.

08/12/2006

Nota:
Acabo de encontrar este fantástico soneto na arca da Alma. Minha irmã devia sofrer muito com o seu dom de vidência,que ela mesma buscava em vão ignorar...
(Lucia Welt)


*Cassandra, filha de Príamo, rei de Tróia, irmã de Heitor e Páris, que era sacerdotisa de Netuno e profetisa. Por um falta cometida, manteve seu dom de vidência, mas com a pena de jamais ser acreditada.



60

A Ilha dos Mortos de Boecklin (de Alma Welt)
320

Não pare de remar, ó meu barqueiro!
Faça jus à soma que lhe pago,
Não hesite perante o nevoeiro
Que já desce saudando o que aqui trago.

Ajude-me também co’este caixão
Pois sozinha não poderei plantá-lo
Num nicho desta ilha em solidão
Com somente minha dor a acompanhá-lo.

Ilha Fatal, eis que sou tripla refém,
De pé na proa, como tu a me alçar
Das águas que ousei atravessar

Desse Letes obscuro em que vogamos,
Com meu próprio caixão que me contém,
Nós três: um só, no barco que remamos...


18/01/2007


61

Abadia na floresta de carvalhos (de Alma Welt)
321


Aqui estive eu, nesta abadia
Em ruínas em meio aos desgalhados
E retorcidos carvalhos de agonia
Entre túmulos esparsos, semeados.

Andei com estes monges no seu frio,
E conheço a solidão destas paragens,
Tão longe dos sonhos que ainda crio,
Tão próxima da Morte em sua imagem.

De nós mesmos, da terra e do ar,
Não há o que dizer, o que cantar,
Aqui o silêncio vem de dentro.

Eu vi o portal que ainda me espera
E por onde passarei à outra esfera
Para atingir do Mistério o pleno centro...

Alma Welt

(sem data)



62

Ecos no casarão (de Alma Welt)
317

De noite percorro o casarão
Por soturnos corredores silenciosos
Mas cheios de murmúrios capciosos
Das memórias do último verão

Quando a casa abrigava a alegria
Dos hóspedes ruidosos e parentes
Que lotavam como fosse hospedaria
Estes quartos agora tão silentes.

Ai! A casa já suspira de carência,
E chora e geme em sua demência
Tremelicando ao vento da campina!

Só restou Matilde, a mais fiel,
Galdério na charrete, sua sina,
E esta Alma que vaga, assim, ao léu...

16/01/2007

Nota

Encontrei nesta manhã de domingo, na arca da Alma, este belo e triste soneto, que denuncia o estado de espírito da Alma nos seus últimos dias. Infelizmente eu estava com meus quatro filhos (dois da falecida Solange, nossa irmã mais velha)em Alegrete e nada pude fazer por minha irmã, que eu não imaginava assim, tão desesperada... (Lucia Welt)

63

Balanço da Vida (de Alma Welt)
314

Lancei meu nome aos quatro ventos
Desde o Pampa a plena pradaria,
Levei minhas notícias de Poesia
Nas pequenas aventuras e eventos

Que me souberam assim universais,
Pois homens são um só, o mesmo medem
A oeste, norte, sul... leste do Éden,
Quanto mais fiéis aos seus quintais.

E assim vi minha Vinha prosperar
E as ramas do vinhedo me cercarem
Com os cachos sumarentos a brilhar.

Mas sei também meus poemas como hera
Cujos ramos pressinto se alastrarem
Nas paredes da Casa que me espera...

17/01/2007

Nota
Emocionada, encontrei agora há pouco este soneto, que deveria estar nos "Sonetos Pampianos", e que já fazia o balanço final da vida da grande Poetisa.(Lucia Welt)




64

No Labirinto da Alma (de Alma Welt )
310

Pelos labirintos desta estância
Vagueio como outrora sob a luz
Agora com temor e esta ânsia
Que não obstante me conduz

Pelas sendas onde ontem fui feliz
E corria alada a colher flores
Para florir meu quarto de aprendiz
Da Poesia, do Amor e suas dores.

Como viver os dias que me restam?
É a pergunta recorrente, intrometida
No rol de pensamentos que me infestam.

Ruivas colunas, galgando patamares,
Ruivos cabelos flamejando pelos ares,
Eis a Alma... que corre... já ferida!

18/01/2007

_______________________

Nota
Estarrecida acabo de encontrar este soneto inédito da Alma em sua arca do sótão, em que a imagem do Labirinto se confunde com a escadaria de colunata vermelha do palácio de Cnossos, em Creta, que nitidamente é o cenário ou metáfora que perpassa o poema, de dolorosa premonição da morte. Na verdade, cheguei rapidamente a essa interpretação porque Alma tinha um cartão postal dessa escadaria ladeada de colunas ("ruivas" como os seus cabelos) pregado com alfinete num painel de cortiça, de recordações de viagens e amigos, no seu quarto. Alma acreditava ter já vivido em Creta nesse palácio do Labirinto. Mais uma vez tive que chorar... (Lucia Welt)


65


Agradecimentos finais (de Alma Welt)
325

Pelos amores em vão correspondidos
Que não puderam por destino florescer,
Pelo prazer que me deram os escolhidos
E aqueles que ousaram me escolher;

Pelos bons momentos dissipados
Das orgias ressoando entre paredes,
Que tanto conhecemos, disfarçados,
E que não saciaram nossas sedes;

Pela paixão que nos fez a alma louca
Pelo gozo que demos um ao outro
Com o gosto de mel em nossa boca;

Por tudo o que é vital em nossa lida
E manteve o coração como de um potro,
Eu agradeço, ó Pampa, ó Sina, ó Vida!

18/01/2007



66

Eu estarei aqui depois de tudo
(de Alma Welt)
305

Eu estarei aqui depois de tudo
Quando voltarem as flores no meu prado,
A macieira a florir no pomar mudo
E o casarão estiver todo arruinado,

Suas paredes recobertas pela hera
E no salão a grande mesa abandonada
Onde um dia quando bem guria eu era
Fui belamente adormecida colocada

Pelo fiel Galdério, também ido
Que com Matilde e seu dever cumprido
Foram prestar contas à patroa

Nossa bela, triste e branca Ana
Que afinal como rainha se coroa
E que já não chamo mais... Açoriana!



12/01/2007

Acabo de encontrar este belo soneto nostálgico, perdido na montanha de papéis da arca da Alma, e que não encontrei publicado (depois de extensa pesquisa) em nenhum dos conjuntos de sonetos já publicados nos blogs da nossa Poetisa. A verdade é que espero encontrar outras jóias como essa neste espólio grandioso dos manuscritos inéditos de minha grande e saudosa irmã, que estou apenas arranhando com estes 25 blogs.
O curioso é que do ponto de vista contextual este soneto contrasta com o penúltimo que eu coloquei aqui ( o n°35 e último que traduzi para o castelhano: "Não estarei aqui quando voltares... " Mas ambos contêm a certeza de sua morte próxima e a convicção de alguma forma de retorno, mesmo que espectral, o que afinal acabou se confirmando, pois ainda a avistamos intermitentemente vagando por aqui, o que nos confrange e desnorteia, pois nos parece que ela não se libertou de sua vida aqui neste plano ou quer nos comunicar algo que não conseguimos entender. Nossos peões, que amiúde a vêm, a chamam "Alma da Pampa"...


Post Mortem (de Alma Welt)

67

Peregrina a vagar nas pradarias
Eu me tornei a Alma do meu Pampa
E os gaúchos em suas montarias,
Reverentes vêm até a minha campa

E apeando depositam um raminho
De flores do meu campo em primavera,
Ou dos seus amargos um saquinho
Antes de seguirem pra Rivera

Onde o prado encontra os castelhanos
Que outrora ferozes combatemos
E que agora na verdade tanto amamos

E temos como símbolos do humilde
(pelo menos os fiéis que recolhemos),
Corações como o Galdério e a Matilde.


(sem data)

Nota
Encontrei recentemente na Arca da Alma este soneto esotérico em que a Poetisa parece falar no seu "Post Mortem", isto é, falando do além. Comoveu-me ela lembrar desta maneira os nossos queridos Galdério e Matilde, que são uruguaios de nascimento e trabalham conosco aqui na estância desde 1970. Mostrei o soneto para eles, e Matilde, que foi babá da Alma, caiu em prantos, enquanto Galdério disfarçava as lágrimas.(Lucia Welt)